04/10/2015

#JovemNegroVivo: verdade inconveniente



A mostra Jovem Negro Vivo, organizada pela Anistia Internacional com o apoio da Conectas, Mães de Maio e outras organizações preocupadas com o tema da Segurança Pública e da juventude, ocupa até o dia 22 de outubro o espaço da Matilha Cultural. A programação especial conta com a exibição de filmes, debates e a reunião de casos emblemáticos de abuso de poder, violência e pré julgamentos baseados na cor.

Nas paredes, algumas das histórias da Zona Norte do Rio de Janeiro. Pedro Ivo de 19 anos que convida o colega para ir a igreja. Eduardo Jesus, 10 anos, morto com um tiro de fuzil enquanto brincava, e tantos outros que sem nome se tornaram partes de uma estatística sanguinolenta.

Infográficos do Mapa da Violência trazem a luz a taxa de crescimento de 32,4% no que se refere ao homícidio de jovens negros, enquanto a de brancos da mesma faixa etária, que sempre teve histórico muito inferior, diminuiu na mesma medida. A brutalidade dos números também aparecem entre as regiões do Brasil, na qual Maceió lidera com 218 mortes para 100 mil habitantes, seguido por João Pessoa (177,8), Fortaleza (176,6) e Vitória (140,7).

Em meio aos murais, vídeos, e  marcas mais profundas e vastas do que deveriam existir a essa altura da evolução, todo tempo a mostra parece questionar: quanto tempo resisti uma ideia? E logo seguida, responde com uma verdade inconveniente: infelizmente muitos milênios.


A Matilha Cultural é um centro de cultura independente na região central da cidade de São Paulo com pouco mais de cinco anos de existência e que tem o intuito de provocar debates políticos e promover apoio a movimentos artísticos independentes.


+ MOSTRA JOVEM NEGRO VIVO
Onde: Matilha Cultural (Rua Rêgo Freitas, 542 – Próximo a Estação República)
Quando: de 22 de setembro a 22 de outubro
Quanto: Entrada Franca

18/09/2014

- Stella


Stella tem onze anos, cabelos e olhos castanhos e vive na Paris dos anos 70. É uma menina magra, até demais, mas tem poucos amigos. Sua casa é também um bar comandado pelos pais, que se tiveram um dia algum tipo de ambição na vida, deixam-na bem escondida. Entre as voltas que o mundo dá, Stella se vê obrigada a descobrir, por sua conta e risco, os caminhos que podem leva-la as várias pessoas que precisa ser, para conseguir sobreviver no mundo sem ter que se refugiar atrás de um balcão de bar.  

Ao se deparar com uma nova escola, sente muito mais que um choque. Colisões de mundos completamente diferentes. Ela sabe jogar fliperama e poker melhor que muitas pessoas que já deixam a barba por fazer, mas nunca ouviu falar de Balzac e Coneau. Tem pôsteres de Eddy Mitchell pelo quarto, e não consegue entender muito bem o que pode haver de tão errado com a televisão. 

Vivendo sob o mesmo teto que se desestrutura ao abrigar uma realidade bruta de bebidas, drogas e roubo, Stella aprendeu o que era necessário para sua adequação, sobrevivência em um meio hostil, mas agora se retrai porque percebe que nada daquilo a ajuda a resistir as contrariedades de um mundo tão particular, com muitas fórmulas, calçadas e faixas de pedestres, do qual não conhece as regras, e por isso mesmo lhe parece muito mais assustador. 

Stella é uma garota normal, mas que mesmo assim, precisa se encaixar. O filme se passa em um plano continuo de descobertas sobre o mundo feitas quase sem querer e um tanto tortas. Garotos, paixões e o primeiro livro, adquirido com um gosto de rebeldia por enfrentar os preconceitos de um mundo sem muito tempo para intelectualidades. Quase um fruto proibido, esses fazem com que comece a ver um mundo muito mais amplo ao ultrapassar a porta de casa. 

Apesar de uma vida fora dos padrões, ela sempre pode ser pior e não, não é a lei de Murphy, é só probabilidade. Ao observar a casa da avó problemática que mora no interior, mesmo que ainda longe de transformar a vida em exemplo e conseguir fechar um contrato com uma marca de margarina, ao deixar para trás milhares de quilômetros de distância e pessoas da sua história, pela cidade, ela se aproxima cada vez mais de uma saída.  


Os vislumbres da infância permanecem apesar dos vários empecilhos, mas é impossível, quase uma missão para Tom Cruise, não carregar consigo as marcas de uma infância perturbada por uma realidade tão crua, que não teve a disposição contos de fada, mas que é embalada pelas músicas de sucesso da noite que tocam bem abaixo do quarto todos os dias.  

Mesmo com o choque entre mundos tão diversos, Stella aprende que não é preciso haver embate, não é preciso luta, mas é preciso reconhecer o valor de cada ponto de vista. Essa é talvez a grande lição da amiga da menina, Gladys, que faz com que ela enxergue a vida, mesmo que só por alguns minutos, da janela de um prédio, e não de dentro de um bar cercada pela fumaça dos cigarros. A amizade entre as duas meninas, permite a Stella que ache dentro de lugares adversos o pertencimento do coração, que diz o contrário de tudo que foi levada a acreditar. A amizade mostra que não há sobreposição entre um mundo e outro, mas a troca de um aprendizado proporcional. 

Sem grandes reviravoltas, o filme de 2008 com direção de Sylvie Verheyde, dá a impressão de ser uma contemplação à descoberta da vida, de suas mais diferentes maneiras, o que pode pode parecer preguiçoso as vistas dos espectadores mais inquietos, mas que carrega o reconhecimento precoce, da importância das pessoas na construção e desconstrução de uma vida, e o que ela é capaz de fazer, sem ser essencial o conhecimento prévio do caminho que se irá trilhar, mas com um olhar especial sobre as escolhas que se faz para que sejam melhores do que as que levaram até ali. 

Stella em meio ao seu processo de transformação vai deixando saudade para alguns. Não dá lampejos de voltar algum dia a ser o que era porque procura ser uma outra pessoa, ela mesma, que até agora não tinha tido tempo de ser. Stella não é um filme feliz mas também não é triste, está na busca pela veracidade da vida de todos nós, que quando sem muitas angustias mas também sem grandes alegria, se agarra a esperança, fórmula mais que suficiente para manter a coragem de continuar seguindo em frente, mesmo sentindo medo de tudo o tempo todo.

NOTA: 4 / 5