10/08/2014

- Proletariaram o Cupido


Pode ser no meio de uma multidão, na lavanderia, em uma festa ou no vagão de um trem. Quando os olhares se cruzam é como um ataque fulminante que não mata, é como se o mundo se encaixasse e aquela inclinação da Terra já não mais existisse, porque tudo está em seu devido lugar. O amor, ah, ele te encontrou, apesar do Cupido levar uma vida de proletariado fazendo mais horas extras do que o Ministério do Amor permite nas comédias românticas de Hollywood.

Molly (Amy Poehler) é dona de uma pequena loja de doces. Joel (Paul Rudd), cujo primeiro nome é Billy, é funcionário de uma grande empresa disposta a tirar do caminho os pequenos comerciantes com seu poderio econômico. A vida dos dois se entrelaça em coincidências infindáveis mas a vida coloca a prova a todo instante a vontade de ambos de vencerem os imprevistos e se entregarem ao amor em They Came Together.

Não, esse não é um filme estrelado por Tom Hanks e Meg Ryan no final da década de noventa, mas é sim uma grande sátira às comédias românticas Nova-Iorquinas dos últimos tempos e tantas outras que podem até não ter o mesmo cenário, mas que fazem com que encontrões pareçam algo romântico, e não só um acidente dolorido.

A história se constrói em cima de situações absurdas, que incluem rolamento pelas escadas e uma família adepta ao nazismo. Carregando uma sátira debochada faz com que um sorriso apareça de vez em quando para demonstrar um espírito esportivo sobre aquilo que geralmente faz suspirar. O diretor zomba das coincidências do amor que fazem o público sonhar, e também dos finais felizes que só mostram uma parte da história que nunca termina em um final definitivo. Com um roteiro brega em mãos é possível enxergar como um molde preenchido com os mais variados clichês não saiu de moda. Ao contrário das ombreiras, quem já assistiu não tem vergonha de admitir e exibir o gosto pela rua ou no formulário de pesquisa mais próximo.

Os problemas nunca são grandes demais ou intransponíveis e por mais que haja drama, ou na contramão, trate-se os problemas com objetividade, não há remédio melhor para eles do que uma boa dose de comédia romântica, onde o possível não tem antônimo. Nelas, as bagagens de cada um nunca são pesadas o suficiente, e se são, há sempre carregadores a postos.


Na busca por uma sátira de histórias com personagens tão caricatos, o diretor joga sobre eles um pouco de realidade, deixando menos turva a vista de quem observa e normalmente não consegue ver como muitas vezes são situações absurdas que arrebatam o público, dando oportunidade de sentir o gostinho de como seria se personagens saídos de contos de fadas viessem parar na cruel realidade. Desastroso.

Max Greenfield, Schimidt de New Girl e Ed Helms, Andy de The Office, representam alguns dos estereótipos tão conhecidos dos romances. Jake é um vagabundo que vive a sombra do irmão perfeito e bem sucedido, e Eggbert, um consultor de finanças estranho e inconveniente. Mas o diretor David Wain em alguns momentos parece se cansar de jogar personagens tão excêntricos na realidade e acha uma maneira de deixar as coisas ainda mais extravagantes com a presença da famosa juíza Judy, e as participações de Adam Scott (Parks & Recreation), John Stamos (Full House) e Norah Jones na trilha sonora.

Brincando com os clichês do cinema, ele ainda atenta para a uma coreografia sempre bem ensaiada de entrada e saída de cena exibida nas telonas onde tudo acontece no momento certo para levar a um clímax que deveria deixar a audiência sem fôlego. Por optar pelo exagero, o filme peca em determinados momentos, podendo ofender os mais sensíveis com tamanha afronta e falta de cortinas e velas para preservar o romantismo, mas alfineta com acerto o tempo no retrato da construção de um relacionamento no qual normalmente se leva muito mais que noventa minutos para se conhecer, casar e viver feliz para sempre, munidos de mais de dois gostos completamente ordinários como desculpa para se apaixonar.

They Came Together não veio para ser levado a sério, mas muito mais do que nos fazer enxergar o que está bem debaixo do nariz, ele serve na desconstrução de personagens perfeitos, mostrando a muitos sonhadores que não é errado se apaixonar à primeira vista ou sonhar com longas caminhas no parque no outono, mas que ás vezes o peso da realidade pode ser muito bem vindo dentro de nossas vidas exercendo um papel crucial na tarefa de não sermos levados a loucura.

Se a vida fosse uma comédia romântica seria mais fácil, mas em compensação muito mais maluca. Às vezes é bom ter o peso da realidade, porque apesar de não deixar os príncipes encantados existirem em carne e osso, ela também impede os desenhos de saírem das telas com suas bigornas e espingardas. Mas é certo também que de vez em quando é bom ter a disposição um Cupido, mesmo que fajuto, levando uma vida de proletariado em ordem de manter nossos sonhos e esperanças.



NOTA: 3.5 / 5

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